terça-feira, fevereiro 02, 2021

O meu , o seu Obituário

O meu, o seu Obituário!

Publicado em qualquer jornal do país

São Paulo, 23 de maio de 2019

Obituário

Aos 17 minutos desta quinta-feira (23.05.2019), faleceu em São Paulo, aos 33 anos, o utópico Agosto de Jesus, atropelado no centro de São Paulo, após uma crise moral e de consciência. 

Observado por moradores em situação de rua, seus companheiros dos últimos anos, Jesus dedilhava os fios de sua farta e comprida barba grisalha nos primeiros minutos da madrugada, tendo em sua companhia um cão magro, preto, de expressão triste que o encarava como se fosse a hora de partirem juntos.

A sua feição apresentava formas incompreensíveis, de sua boca (de onde era sentido um forte odor de conhaque palhinha a distância) nasciam frases ditas como se fossem sussurros e as testemunhas oculares, pasmas com o que ouviam, acreditaram que aquelas palavras eram regras gramaticais e textos de uma vida não vivida que Jesus confessava ao espelho nunca ter colocado no papel. 

Aquele enfrentamento diante de sua imagem e semelhança causou algum impacto em sua mente e comportamento. Minutos após o “duelo” contra si, tomou um trago desnorteante de sua bebida derradeira e acolheu em seus braços o cão, nunca visto até aquele momento por nenhum dos presentes.  

Abraçado ao cão, que o fitava ternamente, ficou em posição de dança no meio fio da calçada, declinou e apanhou uma coxa de frango no chão, dividiu com o parceiro no colo, devorando-a como se fossem reis, e depois debochou da vida pela última vez. 

Aquela situação inusitada continuou, com a dança ensaiada antes, após tragar um cigarro pego de um transeunte. Não havia melodia, mas a cantoria era exercida a plenos pulmões com os seguintes versos:

“Como se pode dizer adeus, se Deus nunca existiu”

“Se escrever o seu destino é sofrer, padecemos no limbo”

Em seguida, tropeçou na calçada e foi atropelado por um ônibus da linha Santana – Juquery.

Naquele exato momento, passavam pelo local do acidente treze mulheres carpideiras, que choraram pelo cão. 

Não deixou filhos e dizia que fez um favor à família por tê-la esquecido.

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