terça-feira, setembro 01, 2015

Entrevista: Falcão diz que o Brasil não tem cultura tática e que a diferença entre técnicos brasileiros e argentinos vão além do futebol

Crédito da foto: Cirineu Brauner


Por Ednilson Valia

Paulo Roberto Falcão paga por ser educado. O título de “Rei de Roma” não lhe valeu o respeito devido para os dirigentes de futebol no Brasil. Não basta ser inteligente, hábil com as palavras e um homem que já viveu todas as funções em um clube do esporte mais popular do mundo.

Ele atendeu ao jornalista por telefone, gentil, respondeu todas as perguntas e questionou sobre a predileção de alguns cartolas por treinadores "sargentões", disse que  as diferenças entre treinadores brasileiros e argentinos vão além do futebol, refletiu sobre a goleada sofrida pela Seleção Brasileira na semifinal da Copa do Mundo e diz quem prefere ver na presidência da Fifa, entre Platini e Zico.

 Técnicos brasileiros educados e polidos sofrem preconceito dos dirigentes em alguns clubes, que preferem a velha fórmula de ter um treinador estilo  "sargentão" que prega arrogância com um linguajar de "boleiro" acreditando na conquista de bons resultados. Por que ainda existe essa cultura?


Falcão: Não sei por que existe. Mas existe. Na busca de treinadores para determinadas situações. Tipo em um momento de dificuldade, time caindo para a série B, vamos buscar fulano para dar uma chacoalhada. Isso nós ouvimos a toda hora. Um "Sargentão". Os treinadores têm que se adequar com os jogadores com que tem na mão. Evidentemente isso não significa a falta de comando. O treinador que tem um histórico tem o respeito do atleta.


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Há um questionamento na mídia esportiva indagando que os treinadores brasileiros são fracos taticamente e que não apresentam variações estratégicas durante os jogos. Você concorda? Os técnicos brasileiros são ultrapassados?


Falcão: A palavra ultrapassado é baseada no quê?  Você pode falar que alguém é ultrapassado ou não? Qual é o parâmetro ou o termômetro para isso? É muito difícil dizer se alguém é ultrapassado ou não. Evidente que existem profissionais que se preparam mais. Uma preparação não é assistir os jogos pela TV e dizer que está aprendendo. A televisão só te dá a bola, mesmo que você veja alguma coisa diferente,  tem que saber qual é a função do jogador posicionado. E para isso tem que conversar com pessoas que estão culturalmente taticamente a nossa frente. Nós (brasileiros) não temos a cultura tática. Se você pegar os últimos anos e verificar os times, verá que tinham quatro ou cinco craques. Não havia muita preocupação com o aspecto tático. Não somos um país de cultura tática. Somos um país de cultuar sempre a qualidade técnica e individual. Quando isso desaparece, tem que repensar um pouquinho as coisas. Teremos que conversar, falar, viajar e ver com profissionais de países que sempre tiveram preocupação com a tática.

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Na última Copa América, as quatro seleções semifinalistas tinham treinadores argentinos; Simeone faz muito sucesso no Atlético de Madrid, Bielsa, acabou de deixar o Olympique de Marseille, Pekerman vem praticando um bom futebol a frente da Colômbia e o Mauricio Pochetino está à frente do Tottenham. Por que os argentinos tem conquistado espaço na Europa e os brasileiros não? E quais são as principais diferenças entre os treinadores da Argentina e do Brasil?

Falcão: Não tenho explicação para isso. Talvez a explicação é isso que estávamos falando. Eu tenho viajado e olhado os professores (técnicos) que entendo de países que estão na frente da gente.  Tem que investir na profissão. Não temos cultura tática. A Argentina, como todo mundo sabe, sempre teve uma relação com a Europa, na roupa, nos sapatos, no couro, o país mais europeu na América do Sul é a Argentina. Isso é cultural, vai além do futebol.

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 Existe uma crise no futebol brasileiro? Se sim, quais são os principais fatores para tal? Clubes, Federações, CBF e imprensa?

Falcão: Acho que está todo mundo no mesmo barco. Nós temos é que fortalecer os clubes. Foi isso que eu disse ao presidente Marco Polo(presidente da CBF) e ao Gilmar Rinaldi (diretor de seleções), quando ele me ligou: temos que  fortalecer os clubes através do trabalho nas categorias de base. Mas a categoria de base não é aos 18 anos, que os times investem mais porque em dois anos ele vai se transformar em um profissional e ser vendido. Quando digo em categorias de base ressalto que tem que iniciar aos 10 ou 8 anos, colocando profissionais que tenham capacidade de ensinar fundamentos. Explicando como dominar bola, como se posiciona, qual é a função do ala, do lateral, como é jogar com três zagueiros, qual é a função do zagueiro. Mas neste período tem que priorizar a qualidade técnica.

Muitas vezes não é  o que acontece.  Esse é um dos grandes problemas. O treinador das categorias de base tem um sonho de treinar um time profissional, que é justo, mas no momento de definição de um campeonato naquela categoria, entre um jogador de mais qualidade técnica e menos disposição física, sabe que aquela vitória é importante para ele e então prioriza o jogador pronto fisicamente . Mas eu acho que não, acredito que tem que ser valorizado um jogador que sabe jogar, tocar, mas isso tem vir de cima, da direção do clube, mas como conceito de futebol e uma filosofia. De "baixo" não precisa ganhar títulos, você tem que formar jogadores com qualidade. Isso tinha antigamente, os torcedores  cedo ao estádio para ver o time de juniores jogar. Ver jogadores de 19 anos jogar e era um espetáculo. Precisa fortalecer os clubes através de bons profissionais nas categorias de base e que priorizem jogadores que tenham técnica e não deixar de lado aqueles com mais disposição física, estes também serão trabalhados.

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É possível fazer uma avaliação das conseqüências ao futebol da goleada sofrida para a Alemanha por 7 a 1, em um semifinal de Copa do Mundo disputada  no Brasil?

Falcão: Isso vai ficar sempre na gente. Ninguém poderia imaginar isso. Nem a própria a Alemanha imaginava isso. A conseqüência é que houve o debate. Mas se repete aquela a história depois de Santos e Barcelona, que o próprio Neymar saiu de campo dizendo que havia tomado uma aula de futebol. Agora também não estamos fazendo nada. Temos que fortalecer os funcionários que trabalham nos clubes. Uma melhor avaliação dos treinadores, para que não possa ter demissões a toda hora. Se define um técnico porque tem que isso e aquilo. Para mim é simples: tem que entender de futebol e saber a psicologia de grupo. Isso é o mais importante, o resto vem a cavalo.

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Há um levante de alguns clubes sobre a "Espanholização"(Maiores cotas da televisão para Flamengo e Corinthians) no futebol brasileiro e exigindo uma nova ideia para a partilha das cotas de TV. Você acredita que caso continue esse processo da "Espanholização" a médio e a longo prazo, Corinthians e Flamengo podem dominar o futebol brasileiro, no quesito títulos?

Falcão: Eu acho que evidentemente que os times que proporcionam maiores atrações tem que ter uma diferença. Mas não pode ser uma diferença esmagadora. Flamengo e Corinthians, com torcidas e times fortes, de dois estados importantes e representativos para o futebol no Brasil. Acho que a diferença não pode ser tanta.

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Os dirigentes da CBF estão sendo acusados de corrupção a pedido da Justiça americana. Tanto a Fifa, quanto a CBF, alguns ex-jogadores estão se candidatando para disputar as presidências das respectivas entidades. O que seria melhor para o futebol, um ex-atleta no comando ou um executivo? E para o esporte, Platini ou Zico na presidência da Fifa?


Falcão: Eu acho que na realidade um homem que nunca jogou futebol  não pode ser deixado de lado,  ele pode ter condições de delegar para que se possa ter bons profissionais da área e fazer com toda credibilidade. Eu também acho que não é porque foi jogador de futebol tem todas as condições para ser presidente, claro que ele leva vantagem, desde que delegue para executivos as funções burocráticas. Entre o Platini e o Zico, eu tenho uma relação boa com o Platini, mas evidentemente gostaria de ver o Zico, por toda a sua seriedade e liguei para ele e disse que pode contar comigo se precisar de alguma coisa. Acho que a imprensa tem uma situação importante, é a imprensa que relata. Estamos todos no mesmo barco. O Brasil melhorando o seu futebol, melhora para todo mundo.

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