Porque devemos discutir o
jornalismo
Há uma máxima na profissão que diz que o jornalista é uma
ilha cercada por ignorância para todos os lados. Últimamente o dito mudou de
patamar: o jornalista irradia ignorância em quaquer canto.
O que lemos, ouvimos e assistimos cada vez mais deixa de ser
notícia e ganha disfarçadamente aspecto de opinião, ainda que primitiva,
recheada de preconceito, intolerância e com a qualidade discutível.
O nosso trabalho em devidas proporções é parecido com as
lutas “quixotescas”. Enfrentamos o ‘establisment’, temos a obrigação de
informar e no máximo causar uma reflexão e nunca decidir pelo leitor, ouvinte
ou telespectador o que ele deve e como pensar.
Dom Quixote, sempre apoiado pelo companheiro Sancho Pança,
enfrentava os moinhos de vento, enxergando-os como criaturas cruéis, motivado
pela paixão por Dulcinéia de Traboso a quem dirigiu nenhuma palavra na vida.
Gosto de pensar que o ideal no jornalismo é que você seja
uma mistura de Dom Quixote e Sancho Pança ou seja que tenha o idealismo de
Quixote e a objetividade e fidelidade de “Pança”.
Deixando claro que não é imparcialiadade e sim a isenção.
Pois não existe textos sem substantivos, adjetivos ou verbos. E quando é
escrito qualquer um destes você deixa de ser imparcial.
A narrativa de Dom Quixote é emblemática. Afinal, ele luta
contra os “verdadeiros” monstros da vida real: ego, arrogância, egoísmo,
passividade e outros. Mas estes, especialmente vinculados aos jornalistas.
Somos uma classe desunida, pouco solidária, arrogante,
medrosa e mal remunerada.
Inumeras vezes, boa
parte dos colegas criticam o sindicato, mas nunca pisaram na sede, não sabem o
nome do presidente e participar da reunião de reivindicações? é querer demais.
Nunca exigimos que se cumpram regras trabalhistas, aceitamos
péssimas condições de trabalho e medrosos no momento de enfrentar o “patrão”
por um jornalismo ético e isento.
Não me eximo destes adjetivos. Lembro-me quando entrei na
faculdade queria ser um jornalista famoso e rico. Puro ego!
No primeiro dia de aula, o professor pediu para todos se
apresentarem e eu, um jovem arrogante, me apresentei dizendo que gostaria de
ser um correspondente internacional para cobrir grupos terroristas e ainda fiz
aquela “carinha” de “orgulhinho”, aquele sorrisinho cínico e balançando a
cabeça positivamente.
Um perfeito papel de idiota e até hoje, não virei um
repórter no exterior.
A história começou a mudar quando contratei os serviços de
uma empresa de capacitação profissional para jornalistas. Ali, os meus
parâmetros mudaram, percebi como estava mal preparado e o quanto faltava para
exercer a profissão como almejo.
E a lição continuou quando negociava uma reportagem que
havia me esforçado muito com um jornal inglês. Após inúmeros contatos o
periódico londrino recebeu um não da direção, pois não havia verba para tal, e
assim fiz uma proposta egóica, para publicar de graça.
O editor respondeu que não faria isso, pois outros
repórteres viviam de material free-lancer e isso poderia adotar diante da
direção uma nova política de pagamentos. Talvez se perguntassem para os diretores,
eles tivessem aceito. Mas note, que a consciência de classe e a solidariedade
com os colegas, que o jornalista adotou. Fiquei com tanta vergonha, que enviei um
e-mail pedindo desculpas pela postura que havia tomado.
Por estes e tantos outros motivos, após 21 anos de carreira,
em boa parte na editoria de esportes, que criei um podcast para discutir o
jornalismo e os labirintos que a vida de jornalista nos remete.
O podcast “A Regra do jogo” teve o nome inspirado no livro
homônimo de Cláudio Abramo, o maior jornalista que este país já teve. Não é uma
definição minha e sim, de Juca Kfouri e Janio de Freitas.
Animado, esperava pela repercussão (olha o ego!), para
suprir minhas necessidades emocionais ou para melhorar o produto. O tema foi a
capacitação profissional e sabe qual foi a ressonância?
Nem boa, também não foi ruim, muito pior: nenhuma.
Quase nenhum veículo discute a profissão, para buscarmos a
reflexão na postura, uma melhor capacitação profissional e outros quesitos tão
importantes.
Poucos ouviram, aliás apenas conhecidos e deram seu parecer, dos quais agradeço com veêmencia.
Alguns entrevistados deram uma conferida, outros não se
deram o trabalho para ouvir.
Por isso devo desistir?
Claro que não.
Afinal, a minha meta não é orientar-se pelos príncipios de
Dom Quixote?
Este é apenas o começo.
Podcast “A Regra do Jogo”
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